Deixem-me sujar… deixem-me ser criança!

Por joanaterapeuta em

O nossa título, em forma de máxima pela infância feliz parece quase um velho anúncio de um conhecido detergente de roupa, mas não é! 🙂 É a filosofia maior que deveria reger o nosso papel enquanto pais, enquanto educadores, … enquanto sociedade, no fundo.

Se o anúncio é antigo, mais antigos ainda são os tempos em que esta era a ideia seguida pelos pais, … se calhar de forma inconsciente, menos informada, … mas ainda assim a mais sábia! 🙂

Sim, antigamente as crianças tinham mais acesso à rua, aos espaços abertos, … o acesso aos tablets, televisões e redes sociais era, felizmente, inversamente proporcional, inexistente mesmo, recuando uns belos vinte anos. Longe vão os tempos em que, na minha vida de aldeia, os tempos livres eram passados a andar de bicicleta (adorava andar de walkman nos ouvidos, a ouvir a minha preciosa cassete do Iran Costa), a jogar futebol, a brincar perto da ribeira, … Televisão era algo que só se via ao jantar, e nem sempre. Que se via ao fim de semana quando dava o Top Mais ou o Big Show Sic. Mas, curiosamente, esses momentos eram quase sempre em família, hoje em dia, acontecimento raro.

Atualmente, assistimos a uma independência tecnológica solitária, por mais que pensemos que o que está a acontecer é precisamente o contrário. Assistimos à realidade onde existem mais tablets e telemóveis por cada casa, que pessoas. Que rácio infeliz e vão é este? Vemos famílias inteiras “reunidas” em redor dos seus preciosos dispositivos, cada um com o seu ou com os seus (sim, no plural, sem erro de escrita), numa estranha partilha eletromagnética.

Que saudades das brincadeiras em casa dos avós, … na terra, …

Que saudades das “sopas” que fazia com água e terra nos vasos velhos do quintal… que primor era conseguir aquela mistura magnífica, que na hora da sobremesa virava mousse de chocolate, mexida e batida com um pau que por ali andava perdido.

Quanta vontade de voltar aos dias em que fazia “caldo” de sardinheiras. Como me lembro daquela vez em que tantas flores “miguei” para um balde com água, fazendo uma sopa, que as mãos se encheram de bolas vermelhas e de alergia. Cocei, cocei, … Valeu o “creme mágico” do querido Avó do Pica (as saudades de ti, essas, superam qualquer recordação mais feliz da infância, querido Avó Manel).

Que nos nossos dias esta essência não se perca, que se recupere e reviva intensamente, que seja a regra e a norma.

Que os nossos filhos possam calcorrear campos, ruas, parques, …

Que fiquem vermelhos e suados de tanto correr…

Que os joelhos se vistam do negro da terra, ou arejem com o roto das calças depois de uma valente queda, com arranhões a condizer (mais um belo pretexto para encher os nossos tesouros com os beijos milagrosos da mãe e do pai, da avó ou do tio, que curam como nenhuma outra mezinha).

Que essas mazelas sejam pintura rupestre na nossa alma, graffiti no nosso imaginário, pela vida fora.

Que as mãos guardem as memórias dos momentos felizes e descontraídos e as unhas levem para casa os restos das brincadeiras do dia, sob essa bela camada que tantos ralhetes faz ouvir antes do banho…

Que a água que sai no lavatório seja escura no fim do dia de diversão, lembrando que é essa a sua missão, e que nenhuma sujidade é eterna.

Que as meias brancas virem cinzentas…

Que haja collants cor-de-rosa clarinhos irremediavelmente perdidos, mesmo após três dias “de molho”!

Que as nódoas negras sejam sinónimo de alegria e os “galos” na testa sejam o anúncio maior das tardes de sol.

Que os chapéus saiam dos bengaleiros e que os pequenos pés das nossas crianças pisem o verde da erva e o tragam agarrado para casa.

Que o azul do céu seja expoente máximo, o cenário mais perfeito dos dias agitados e com ar puro nos pulmões.

Que se esqueçam os bibes sujos, as mangas encardidas, os calções furados, …a máquina lava, a agulha coze, … a alma fica mais rica e as experiências são guardadas a sete chaves como um tesouro precioso.

Que o sorriso deles sejam a mais pura certeza e que nunca se perca a infância, com toda a sua essência.

Que essas memórias perdurem em nós, … que construamos cada dia mais e mais com os nossos filhos,… que sejamos crianças com eles outra vez, hoje e sempre!

 

Fonte da imagem: Aquarela Parques


0 comentários

Deixe uma resposta

Avatar placeholder

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *