O flagelo dos incêndios, na primeira pessoa.

Por joanaterapeuta em

É verdade, … o triste dia 15 de Outubro ficará para sempre guardado nas nossas memórias, pelos piores motivos. Foi um dia de inferno, de pânico, de terror, … de pensar que o fim do mundo, tal como o anunciavam repleto de fogo e sofrimento, parecia eminente. Já tinha vivenciado situações de perigo, algumas catástrofes naturais, mas sempre sem grandes efeitos adverso para mim e para os que me rodeiam, mas neste dia, o inferno desceu mesmo à terra.

Estava na minha terra Natal, Gouveia, em recuperação de uma cirurgia de urgência a uma apendicite. O pai da Eva estava fora em trabalho, e por isso mesmo tive que me refugiar junto dos nossos familiares para ser apoiada e para que pudesse estar com a Eva, pois sozinha não o poderia ainda fazer, dadas as limitações do pós-operatório.

Naquele domingo, tinhamos combinado um almoço em Paços da Serra, a terra do Carlos. A notícia do fogo soube-a logo pela manhã, pelo facebook… da janela de casa dos meus pais parecia longe, e realmente era. Tinha começado na serra! A verdade é que pela hora de almoço a imensa nuvem negra tinha já quase fechado um circulo por todo o horizonte, pois o vento que se fazia sentir era horrível e aterrador! Quando chegámos a Paços, fui levada pelo meu pai, o fogo estava já para lá. Estava tudo negro, o ar era irrespirável e as pessoas estavam aflitas, em pânico, … ouvi os gritos, o desespero, .. o pânico de quem não sabe o que lhe reservam os próximos 5 minutos, quanto mais o futuro, … Mas eu pouco podia fazer dada a minha condição. Passei a tarde e o serão em casa dos avós do Carlos, … ia ouvindo os gritos desesperados dos que pediam ajuda, dos que pediam alimentos para os bombeiros, … A mãe e o irmão do Carlos sairam para ajudar, depois a avó, … e nós já não conseguimos dali sair, pois o fogo cercava a aldeia e as estradas tinham sido cortadas. Todo o qualquer acesso estava impedido de ser transitável, e por isso acabei por ficar até à noite por lá! Por entre sucessivas falhas de luz, de rede móvel e de internet, lá consegui espreitar as notícias, … eram incêndios por todo o lado, mais de 200… a região centro estava toda em chamas, … a norte também ,.. era o caos em cada notícia, em cada testemunho ouvido, …

Depois de jantar, resolvi tentar ir para as Aldeias, terra dos meus pais, … numa fuga de rede ainda consegui avisar o meu pai de que iriamos. Eu, a Eva e a mãe do Carlos entrámos no carro, mas mal sabiamos o que nos esperava…. Com o avançar pela estrada, já noite, viamos tudo ardido, mas com alguns pequenos focos de chama por todo o lado, … tudo fumegava, … ardiam vedações e troncos na estrada, havia árvores caídas, fios elétricos, … o terror tomou conta de nós e eu já estava por tudo, … se tivessemos que voltar atrás, que assim fosse! De facto, dois ou três quilómetros depois fomos impedidas de avançar. De Moimenta já não se passava, pois o fogo andava agora pela terra dos meus pais, … Tentei ligar-lhes, mas não havia rede. O GNR que nos intercetou pediu por tudo para regressarmos a Paços, pois, ao menos aí, o perigo estava mais controlado. Viu a Eva no banco de trás, e as palavras dele ainda hoje ecoam na minha cabeça: “Pela saúde dessa criancinha que aí levam,… aconselho-vos a voltar atrás. Com tudo o que já vi hoje, resta-nos apenas preservar a vida humana, pois o resto já nada conta!”.

E assim foi, voltámos a Paços, … o caminho de regresso foi igualmente de arrepiar. Não consegui falar com os meus pais na hora seguinte, estava em pânico sem saber o que se estaria a passar. Nem rede tinham, nem luz para carregar os telemóveis, soube-o depois. Passadas umas duas hora, uma fuga de rede fez com que pudéssemos ir trocando algumas mensagens. Eles estavam bem, mas tinham andando em combate das chamas, na tentativa de proteger as casa, … com a deles, ardeu tudo até aos muros, mas felizmente o mais importante tinha ficado: a vida!

Acabámos por dormir em Paços,… toda a aldeia estava em alerta máximo, houve pessoas sem dormir, … para mim foi difícil adormecer com tanta preocupação, com o imenso cheiro a fumo que fazia picar os olhos e a garganta, … mas o cansaço era tanto… No dia seguinte, um novo amanhecer começou, … mas o cenário, à luz do dia, era triste, triste, muito triste…

Que nunca mais se vivam dias assim. Ninguém merece ficar sem o que construiu à custa dos que se lembram de lançar este caos. Que os culpados paguem por tudo e não mais repitam a triste proeza. As pessoas sofrem, as vidas modificam-se, … o mundo morre aos poucos e a esperança também… que este dia e tudo o que vivi sejam apenas memórias cada vez mais distantes, pois lembrá-las causa ainda muita dor. Felizmente todos estamos bem, protegi a Eva, dei-lhe amor e segurança. Estamos cá para contar a história. Um sentido afago a todos os que não tiveram a mesma sorte e um aconchego especial aos seus familiares enlutados. Os animais, … tantos que se perderem sem perceber o que lhes estava a acontecer, … faz doer tanto, tanto o coração, …Que a esperança renasça das cinzas, bem como a força de lutar para que as vidas, dentro do possível, voltem aos poucos ao normal.


2 comentários

Cris mimoso · 1 de Novembro, 2017 às 7:51

Foi um caos quem está longe sente se pequenino não sabemos como está a família passei a noite acordada ligava ora para o meu filho para os meus pais para o meu irmão e depois as notícias que chegam a este lado deixam nos sem saber sofremos talvez o dobro por não ver mos por não sabermos o que na realidade está acontecer foi triste muito triste o que aconteceu tanta morte que este ano podia ser evitada enfim …

    joanaaterapeuta · 1 de Novembro, 2017 às 8:57

    Não foram horas fáceis, de todo, … sempre de coração nas mãos, sem saber como estavam os nossos, … que nunca mais se vivam dias assim, … um beijinho Cristina!

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